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quarta-feira, 17 de abril de 2024

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Envelhecer bem é contemplar a lógica do tempo

Em muito se fala de planos, daquilo que se quer ser quando cresce, de nossos sonhos, do que fazer para ser feliz (como se fosse possível catalogar a felicidade). Mas o que nunca nos foi orientado é o depois. Sim, o depois dos planos, do crescer, do “ser ou não alguém”, do experimentar a realidade e saber diferenciá-la do sonho, do entender que a felicidade vem de dentro e não o oposto.
“La reproduction interdite”, obra surrealista de René Magritte para ilustrar as aparências. O que, muitas vezes, não sobrevive ao tempo, nem se sobrepõe ao reflexo do que aquilo que somos.
Ninguém nos ensinou a cair. Uma hora ou outra, em estado grave ou leve, a gente se machuca com alguma queda – e isso não é ruim. O clichê de que com as quedas se levanta mais forte é fatídico. Ele fala sobre o que, em outras palavras, as experiências mal sucedidas nos proporcionam: sabedoria para não repeti-las da mesma forma. Mas o pior é que a vida é a junção de experiências pra valer, ninguém vive por teste. Quem sabe da incerteza do amanhã, com certeza, se preocupa com o compromisso que se deve ter com o hoje. É aí que se aposta tudo. É aí que se deseja o mundo e quando um só passo dá errado, pronto! É remédio pra cá, terapia pra lá, e qualquer outra medida que se diga eficaz contra a decepção, vale.
O problema é que não há ação externa que supra a falta que existe por dentro. Nem psicólogo, tampouco droga (lícita ou ilícita) pode reparar um projeto fracassado. Definitivamente, não estamos preparados para lidar com essa falta. Ou vai dizer que é comum filhos que veem seus pais chorarem? A dinâmica é contrária. O tempo todo somos ensinados a mirar e atacar, usando nossa força e invencibilidade. Mas invencível é só quem já não aprende mais. E a vida é puro aprendizado. Acontece que ele envolve erros e acertos, e só a partir deles se dá continuidade à existência. Sob os acertos, cabem os méritos, e sob os erros? Piedade? Automutilação? Autoajuda?
Não fomos avisados que está tudo bem não acertar e talvez seja esse o maior monstro da humanidade. Não sabemos lidar com a superação. Não nos orgulhamos por estarmos em constante transformação, o que significa ganhos e perdas. Ninguém nos apontou a beleza da experiência. Ninguém nos alertou que é normal estar cansado e ter aspirado por conquistas que nunca vieram. Não tivemos aula de cuidados próprios – aquilo que mais necessitamos quando a vida passa e o investimento enérgico e financeiro se foi em carreira, bens e pessoas outras que não nós mesmos.
Tudo o que ouvimos foram palavras que apontavam para o sucesso constante, o final feliz. Mas envelhecer é tudo menos a constância ou o final. Envelhecer é o processo no qual lidamos com o acúmulo do que já foi feito e com o que ainda pode se fazer. A idade é uma delícia quando se aprende a perder. Isso porque quando somos jovens, a maior parte do tempo é dedicada aos estímulos. Estamos sendo ensinados a sentar na cadeira da sala de aula, obedecer aos sinais, comer quando é todo mundo come e, é claro, desejar algo na vida. Algo maior do que ela, algo que transcenda sua “limitabilidade temporal”.
Bem, envelhecer já nos demanda outras tarefas. Quem envelhece já fez pedidos, por vezes cansou de esperá-los. Quem envelhece já fugiu à regra, abriu exceção. Quem envelhece já dormiu na cadeira da sala de aula, já jantou de madrugada e entendeu que nenhum desejo vale mais a pena do que aquilo que nos vem sem que desejemos. Aquilo que está em nosso caminho, seja ele desviado para o destino que for.
Aceitar envelhecer, voltar atrás perante enganos, enxergar beleza no imperfeito e felicidade no detalhe são coisas que nos tomam a consciência com a maturidade. E maturidade leva experiência.
Experiência leva tempo. Experiência leva muito tempo.
Só quem lida bem com ele é que se contenta com aniversário. Só quem não briga com o espelho e com o relógio é que está à vontade com aquilo que vê e pelo quê corre. Por isso, vale o desapego às fórmulas, ao incorporar dos contos de fadas. Mais ainda, vale o investimento naquilo que é real e humano, não ilusório e perfeito.
Definitivamente, nunca é tarde para aceitar a si e à vida como são.

Jordana Bizarro
Escritora na Obvious

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