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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Artigos

De quando é o primeiro evangelho

Já tive oportunidade de escrever sobre o Pe. O’Callaghan S. J., professor do Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Ele encontrou um pequeno papiro em Qumran, no Mar Morto, denominado 7Q5, papiro que parece representar um trecho do Evangelho segundo S. Marcos e que é anterior ao ano de 50. Sugiro ao leitor que pesquise sobre o 7Q5. 
Li uma entrevista com o Monsenhor Enrico Galbiati, que foi professor de Filologia Bíblica na Universidade Católica de Milão, e que acompanhou de perto as pesquisas do 7Q5 feitas pelo o Pe. O’Callaghan. Galbiati traz reflexões interessantes sobre os Evangelhos e as datas atribuídas a eles. 
É óbvio que o Monsenhor Galbiati crê na autenticidade do papiro 7Q5, sustenta pelas probabilidades das letras do papiro encaixarem razoavelmente bem mais no Evangelho de Marcos do que qualquer outro documento antigo. Ele atribui a recusa dos pesquisadores mais a um preconceito porque julgam que o Evangelho foi escrito tardiamente, o que implica em uma diminuição do valor histórico dos Evangelhos. Os Evangelhos narram curas e milagres, alimentando a tese racionalista que julga que o Jesus da fé aproxima-se de uma figura mitológica criada pela imaginação dos primeiros cristãos no decorrer do primeiro século. 
Há ainda os que negam que Jesus tenha dito certas coisas. Mas se Jesus não as disse, ninguém as terá dito. Vejamos, qual falsário atribuiria a Jesus exclamações como: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15, 34) ou “Ninguém sabe a data do juízo final, nem os anjos, nem o Filho, mas somente o Pai” (Mc 13, 32)? Um falsário nunca atribuiria a Jesus tamanha ignorância. Ainda temos a coerência da figura de Jesus, tão unitária tanto nos Sinóticos quanto no Evangelho de João. E, mais ainda, como reconhecer um Evangelho de Marcos, um discípulo sem importância, enquanto “evangelhos” atribuídos a Pedro e Tiago foram considerados apócrifos? 
Não se pode afirmar que os Evangelhos sejam livros históricos, são livros escritos para comunicar a boa-nova da salvação, que tem base em fatos históricos. Pode-se detectar no Evangelho sentenças que parecem ser o eco direto das palavras de Cristo. Tenham-se em vista os dizeres: “Tu és Kepha, e sobre este kepha edificarei a minha Igreja… Não foram a carne e o sangue que to revelaram… Tudo o que ligares sobre a terra, será ligado nos céus” (Mt 16, 16-19). Os semitismos e o frescor da língua aramaica, falada por Jesus, são evidentes nestas e em outras passagens, que por isto são ditas “ipsissima verba Christi” (mesmíssimas palavras de Cristo). 
Podemos com segurança datar as cartas de S. Paulo aos Romanos, aos Coríntios, aos Gálatas, redigidas entre 51 e 67, são anteriores aos Evangelhos Sinóticos, que se crê que foram escritos entre de 50 a 80, porém a teologia das cartas é certamente mais evoluída que a dos Evangelhos Sinóticos. Nas cartas de São Paulo já está explanada a teologia da Redenção, que nos Evangelhos é apenas esboçada. São Paulo apresenta Jesus como Kyrios, a Cabeça do Corpo da Igreja, Aquele que pelo sangue da sua Cruz reconciliou as criaturas visíveis e invisíveis. 
Por essas razões, fica difícil crer que os três primeiros Evangelhos foram escritos tão tardiamente, muito provavelmente, suas primeiras versões são mais antigas do que se atribui. 
 
Mario Eugenio Saturno é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano. 

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