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A quarentena está mudando a sua relação com o álcool?
Se você buscar por “consumo de álcool no mundo na quarentena” no Google, vai encontrar mais de 500 mil resultados. A ingestão de bebidas alcoólicas se tornou um problema tão preocupante que a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar que governos limitem a venda de álcool durante o período de reclusão.
Não é surpreendente que a pandemia esteja mudando a nossa relação com o álcool. O confinamento fez com que, de certa forma, os dias da semana se assemelhassem aos do fim de semana. Já não há mais um vestuário para o trabalho e outro para o descanso. Nem há mais a necessidade de acordar tão cedo para enfrentar o trânsito.
Tenho visto muita gente se sentir atraída a mimetizar, em casa, a vida pré-coronavírus, em que eram comuns os encontros com amigos e com a família, acompanhados de uma taça ou copo de bebida alcoólica. Esse comportamento vem sendo estimulado grandemente pelos happy hours virtuais.
De certa forma, é compreensível que, em uma época em que nos vemos bombardeados de notícias negativas, as pessoas se sintam compelidas a buscar algo que anestesie a sensação de impotência diante da crise. Quando o álcool é consumido para fazer o papel de “muleta”, para gerar uma sensação de relaxamento e de euforia, é motivo de grande preocupação para os profissionais da saúde pública.
Do ponto de vista médico, há duas questões importantes a serem ressaltadas. As mudanças de hábitos com relação à bebida devido ao distanciamento social são negativas. Por exemplo, abrir uma garrafa de vinho no meio da tarde, algo impensável antes, ou dificuldade para ficar em apenas uma dose. O álcool tem um impacto considerável na saúde mental, ao afetar o nosso humor, nos deixando mais suscetíveis à ansiedade e à agitação, além de reduzir a imunidade, algo particularmente caro em tempos de coronavírus.
Se você sente que a sua relação com a bebida mudou, um exercício interessante é anotar em um caderno os momentos que despertam a vontade de beber. É provável que você consiga identificar alguns gatilhos do seu consumo de álcool. Também é importante observar a quantidade e frequência que está bebendo. O caminho para gerenciar essa nova relação com as bebidas alcoólicas é entender que há certos limites.
Segundo o NIAAA – National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism, referência no tema, os limites de consumo de baixo risco são: para mulheres e pessoas acima de 65 anos, não mais que 3 doses* em um único dia, sem ultrapassar 7 doses na semana; para homens, não mais que 4 doses em um único dia, sem ultrapassar 14 doses na semana. Mas essa indicação não vale para menores de 18 anos, grávidas, pessoas com condições de saúde que podem ser prejudicadas pelo álcool ou que não consigam controlar seu consumo, ao usar determinados medicamentos e ao dirigir veículos automotores. Nesses casos, a recomendação é não ingerir nenhuma quantidade de bebida alcoólica.
Atenção para esse momento especial que estamos vivendo. É uma situação delicada em que a saúde mental requer cuidados. Fortaleça laços afetivos e pratique atitudes solidárias.
* 1 dose padrão equivale a 14 g de álcool puro, o que corresponde a 350 mL de cerveja (5% de álcool), 150 mL de vinho (12% de álcool) ou 45 mL de destilado (vodca, uísque, cachaça, gin, tequila, com 40% de álcool).
Dr. Arthur Guerra – psiquiatra e Presidente Executivo do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool