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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Artigos

A favor da vida

Microrganismos são seres vivos tão minúsculos que nunca poderemos visualizá-los sem a utilização de microscópios. Na microbiota intestinal, são cerca de 100 trilhões, classificados em mais de 300 espécies diferentes, coexistindo em certo equilíbrio. Embora seja relativamente estável em indivíduos sadios, a microbiota pode sofrer alterações pela condição fisiológica, emocional, alimentação, ingestão de medicamentos, interação das bactérias intestinais ou de seus metabólitos. Padrões anormais de microbiota intestinal podem ser vistos nas anomalias de peristaltismos intestinais, no câncer ou pós-cirurgias, em distúrbios gastrointestinais, gastrohepáticos, anemia perniciosa, radioterapias, estresse, imunodeficiências, ingestão de antibióticos ou em processos de envelhecimento.
O nosso estado de saúde pode ser afetado como consequência imediata do desequilíbrio da microbiota intestinal. Para evitar essa disbiose, a saída é ingerir microrganismos benéficos à saúde, como Lactobacilos, Bifidobactérias e outras espécies, que estão presentes em alimentos contendo ‘probióticos’. O termo ‘probiótico’, palavra de origem grega que significa ‘para a vida’, foi definido em 2001 como ‘microrganismos vivos que, quando consumidos em quantidades adequadas, conferem efeitos benéficos ao hospedeiro’ pela Organização Mundial da Saúde (WHO), juntamente com a FAO (Food and Agriculture Organization). 
Alguns pré-requisitos definem o que é um microrganismo probiótico: ter segurança no consumo, pertencer à microbiota natural do ser humano, ser resistente aos sucos digestivos, chegar vivo aos intestinos e ter a capacidade de se desenvolver na microbiota intestinal, além de ter os seus efeitos benéficos comprovados cientificamente e estar presente na forma viável no produto em quantidade razoável. Para demonstrar o efeito benéfico desses seres microscópicos para a saúde, cientistas de várias partes do mundo têm desenvolvido inúmeras pesquisas. 
Os benefícios demonstrados por estes estudos incluem desde a proteção aos recém-nascidos, pelo fato de o leite materno conter microrganismos benéficos que colonizam a microbiota do bebê, até o estímulo para o sistema imunológico, inclusive de pacientes transplantados e fumantes. Além disso, alguns microrganismos probióticos são efetivos no controle e na prevenção da diarreia – inclusive pós-quimioterapia –, no controle da dislipidemia, na prevenção de amigdalites, na descolonização de portadores de bactérias gram-positivas em ambiente hospitalar e na prevenção da enterocolite necrosante em recém-nascidos de baixo peso. 
Mais recentemente, os pesquisadores demonstraram a ação benéfica dos probióticos para estimular a imunidade, inclusive de atletas de alto desempenho. Além disso, os probióticos são fundamentais para o equilíbrio da microbiota vaginal e, consequentemente, para a prevenção de infecções. Na verdade, os primeiros estudos sobre a microbiota intestinal e os microrganismos começaram no século 19, quando o biólogo microbiologista Elie Metchnikoff publicou ensaios sobre camponeses búlgaros que ingeriam iogurte diariamente. A partir daí, o interesse dos cientistas em relação à ação benéfica dos microrganismos aumentou substancialmente, especialmente diante de resultados favoráveis das pesquisas realizadas ao longo do século 20. 
O primeiro produto desenvolvido com o conceito probiótico foi o Leite Fermentado Yakult, criado em 1935, no Japão, pelo médico sanitarista Minoru Shirota. O pesquisador conseguiu isolar os Lactobacillus casei presentes no intestino humano e potencializar a sua capacidade de resistir à passagem pelo sistema digestório para chegarem vivos, e em grande quantidade, aos intestinos. Os Lactobacillus casei Shirota têm a capacidade de ajudar a diminuir a concentração de substâncias potencialmente negativas nos intestinos e de estimular a resistência imunológica. Por meio de suas paredes celulares, esses microrganismos estimulam os macrófagos – que são células do sistema imune – e, com isso, deixam essas células mais alertas a qualquer anormalidade, tornando mais rápidas e eficientes as respostas às invasões de bactérias patogênicas.
O trato gastrintestinal é tão importante para a imunidade que tem um sistema nervoso próprio – sistema nervoso entérico –, que começa no esôfago e termina no ânus. Conhecido como ‘segundo cérebro’, o intestino serve de barreira entre o exterior e o interior do organismo e a integridade dessa barreira é essencial para a imunidade. Um dos estudos mais recentes sobre probióticos e imunidade indica proteção imunológica aos fumantes que ingerem o Leite Fermentado Yakult. Os cientistas italianos e japoneses que desenvolveram o experimento com homens fumantes constataram que a ingestão diária de Lactobacillus casei Shirota aumentou significativamente a atividade citotóxica das células NK (do termo inglês Natural Killer Cell). 
As células NK – conhecidas como células exterminadoras naturais – são linfócitos (glóbulos brancos) responsáveis pela defesa específica do organismo e têm papel fundamental no combate a infecções virais e células tumorais. Atividades maiores de NK são associadas com o estilo de vida saudável e condições mentais estáveis, mas evidências indicam que o cigarro prejudica a vigilância desta célula do sistema imune. Uma vez que fumantes apresentam maior susceptibilidade às infecções e doenças inflamatórias, as células NK desempenham um papel importante no controle de infecções e eliminação de células com aberrações que podem levar ao câncer.
Recentemente, técnicas desenvolvidas na área da biologia molecular e da imunologia têm sido amplamente utilizadas nos estudos com microrganismos probióticos, resultando em um rápido avanço e, ao mesmo tempo, ampliando o escopo das pesquisas relacionadas à microbiota intestinal. Diante da necessidade de enfrentamento de doenças que impõem inúmeros desafios à Ciência e à Medicina, encontrar nos microrganismos probióticos um aliado é uma das propostas dos cientistas que se dedicam a investigar a ação desses minúsculos seres que habitam o corpo humano.
 
Yasumi Ozawa Kimura é farmacêutica-bioquímica com especialização em Alimentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP

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