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Descriminalização de drogas. Queremos ou não?
A Lei de Drogas (Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006), deu novos contornos aos temas tráfico e consumo de drogas, onde os atores desse sistema (traficantes, usuários e dependentes) são tratados de forma diferenciada. Traficantes de pequenas quantidades teriam penas mais leves, enquanto os traficantes com maior potencial ofensivo, aquele profissional, teriam penas mais duras e proporcionais. No caso dos usuários e dependentes não se aplicam mais as penas privativa de liberdade e para os dependentes existe a possibilidade de imposição de tratamento médico.
Não vamos aqui defender umatese, mas, tão somente, colocar a discussão do tema para que os leitores possam entender e opinar sempre que se depararem com esse assunto, pois sabemos que no seio de muitas famílias o consumo de drogas é presente e perturbador da harmonia familiar.
Tramita na Câmara Federal um anteprojeto de leielaborado por uma comissão de juristas, que busca a descriminalização de drogase outro anteprojeto para permitir a cultivo da “cannabis” para fins terapêuticos. Por esse anteprojeto, o que se busca é descriminalizar a posse de drogas para consumo pessoal, onde se prevê, tão somente, a perda da droga apreendida e multa, desde que a droga seja para consumo próprio e que a quantidade não ultrapasse, inicialmente, em até dez doses.
No Supremo Tribunal Federal (RE 635659/2011), por sua vez, existe um Recurso Extraordinário com repercussão geral, onde se discute a tipicidade do porte de droga para consumo pessoal, interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, buscando ver declarada a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que pune aquele que tem ou traz consigo drogas para consumo pessoal, com aplicação de penas; de advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
A Defensoria pública do Estado de São Paulo, nesse recurso defende a tese de que a criminalização prevista no artigo 28 da Lei de Drogas infringe o art. 5º, inciso X da Constituição Federal, que garante como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.O caso, em espécie, é de um preso que teve encontrado em sua marmita três gramas de maconha para uso e consumo próprios.
A tese da Defensoria Pública é no sentido da impossibilidade de se criminalizar aquele que traz consigo para uso próprio (consumo), pequena quantidade de drogas.
O relator do RE é o Ministro Gilmar Mendes quevotou favor da inconstitucionalidade do art. 28, para que usuários de qualquer espécie de drogas não sejam punidos, pois punir quem usa droga “afeta o livre desenvolvimento da personalidade em suas diversas manifestações” aos “diferentes modos do desenvolvimento do sujeito como o direito à autodeterminação, à autopreservação e à autorepresentação” e ofende “de forma desproporcional, o direto à vida privada e a margem de autonomia do Indivíduo”.
Outros dois Ministros, Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin, também votaram pela inconstitucionalidade, tão somente, para a maconha, permanecendo crime a posse para uso pessoal de outras drogas ilícitas.
O Ministro Fachin ao enfrentar o tema afirma que o que se deve ter em mente é a liberdade e a autonomia privada e quais são os limites da interferência estatal sobre o indivíduo. Muitos são os argumentos contra a descriminalização, mas que não se sustentam, pois são paternalistas e não defendem a sociedade. A utilização de drogas, por vezes, tidacomo um comportamento reprovável, não pode servir de argumento para a punição penal. Por essas razões, criminalizar o porte de drogas para consumo próprio “representa a imposição de um padrão moral individual que significa uma proteção excessiva que, a fim e ao cabo, não protege nem previne que o sujeito se drogue (correspondendo a um paternalismo indevido e ineficaz) e, por fim, significa uma falsa proteção da sociedade, dado que já há respostas penais previstas para as eventuais condutas ofensivas que o consumidor de drogas possa realizar”.
O MinistroLuis Roberto Barroso votou, por descriminalizar a posse de maconha para consumo próprio, citando o exemplo de diversos países desenvolvidos, onde a descriminalização do uso de drogas para consumo próprio, deram certo (Portugal, Espanha, Uruguai).
Segundo Barroso, criminalizar a posse de maconha para consumo viola o direito à privacidade previsto no art. 5º, X da Constituição Federal, que garante como princípiosa liberdade, a intimidade e a vida privada. “O que se faz na intimidade encontra-se na esfera de decisão pessoal e não pode haver interferência de pessoas ou do Estado”. “Qualquer hábito que não interfira na vida de terceiros deve ser respeitado. Fumar um baseado pode ser ruim para muitas pessoas, mas não pode ser tido como ilícito e não deve ser papel do Estado a ingerência na vida privada”.
Por essas razões o Ministro Barroso declara a inconstitucionalidade artigo 28 da Lei 11.343/2006, no caso de maconha para que seja permitida a posse de 25 gramas da droga e de seis plantas fêmeas para consumo pessoal.
Faltam ainda votar outros Ministros e em breve saberemos se haverá a descriminalização da posse de drogas para consumo próprio e em quais termos.
O que os leitores acham?
Jorge Augusto Morais da Silva, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de São Paulo e advogado em Barretos.